quarta-feira, 13 de abril de 2011

Uma crônica qualquer


Lembro como se fosse hoje. O dia estava típico de uma manhã de quarta. Nada de extraordinário, nenhuma novidade. Era apenas mais um dia no parque enquanto o almoço não ficava pronto.

Na entrada, tudo estava igual. As mesmas crianças, os mesmos brinquedos e o meu balanço. Era o que me fazia bem. Uma diversão completa por si mesma, não precisava de outras pessoas. Sentava ali e meus pés, que custavam alcançar o chão, me levavam de um lado para outro. O vento no rosto, meu cabelo comigo a brincar. Sentia a liberdade tomar conta de mim, sentia a sensação de um voo pleno e infinito. O mundo inteiro desaparecia e todas as minhas preocupações se limitavam em não deixar o balanço parar. Voava de frente e voava de ré, de frente, de ré.

No auge do meu devaneio, o telefone da tia toca e me chama para a realidade. Ela fez uma cara que nunca havia visto em todos os meus 5 anos. Continuei a olhar para ela em uma vã tentativa de entender a mensagem, mas eu já sabia que algo de ruim estava à minha espera, e acho que ela percebeu isso. Segurou forte minhas duas mãos e me encarou com olhos molhados. Fiquei ainda mais assustada, mas tive medo de perguntar o que aquilo significava.

Ela pegou minhas coisas no parque e subiu comigo até o meu andar. O cheiro de comida estava por toda a casa, mas além dele não tinha mais ninguém. Mais um acontecimento nada típico, estranho o suficiente para uma bola de angústia se formar na minha garganta e aquele arrepio gélido rondar todo o meu corpo. Comecei a gritar pela minha mãe vorazmente e sair correndo pelos quartos à sua procura. Mas não a encontrei. Foi quando a tia me deu um abraço bem apertado, me sentou no sofá e, segurando o choro, falou que minha mãe não mais estaria lá. Que ela tinha ido para o céu, virado uma estrelinha bem linda, que me guiaria todas as noites e em todos os meus pensamentos. E ficou mais alguns minutos falando, mas eu não pude ouvi-la. 

Eu tinha visto minha mãe há tão pouco tempo. Ela estava ali, comigo, mandando eu calçar o chinelo para ir ao parque e me policiando para não comer chocolate antes do almoço. Minha razão não queria aceitar. Meu lado emocional muito menos. Ela sabia que eu precisava dela para sobreviver. Ela sabia que era tudo para mim, a única pessoa que importava, meu porto seguro, quem jurou cuidar de mim para sempre. A única pra quem eu contava minha cor favorita e que ria comigo do desenho da TV. Como poderia ficar sem seu doce beijo de boa noite, aquele que curava qualquer machucado e que me fazia sorrir quando estava brava? Como? Ela não faria isso comigo, ela sabia que era minha melhor amiga. Por que me deixaria sozinha por aqui? Por que ela não me chamou pra virar uma estrela também? Eu sempre gostei de estrelas, não iria me importar muito. Era mentira, ela não faria isso comigo, não sem me avisar, sem perguntar minha opinião. Era mentira.

Era verdade. Os dias se passaram. Tive que vê-la pela última vez em uma caixa com crisântemos, e eu nunca mais gostei de flores. Aquela da caixa não tinha a mesma expressão com que eu era acostumada, não era a primeira imagem que eu via todos os dias de manhã. Não tinha nenhum sorriso, nenhuma brincadeira no olhar. Mas aquelas mãos que tanto me afagaram eu conhecia bem. Todas aquelas pintinhas e unhas compridas. Aquela cicatriz na ponta do dedão. Será que nunca mais veria aquelas mãos? Meu símbolo de proteção, carinho, de amor.

Por várias vezes encontrei com ela em meus sonhos. Nunca consegui ver seu rosto, mas sabia que era ela. Sentia sua presença, seu calor, seu cheiro. Nesses dias, eu acordava mais feliz.

Durante anos, todos os dias eu acordava e ia para o meu balanço. Ficava lá o dia inteiro, tentando voltar para o momento em que tudo aconteceu. Pensando que, se tivesse a chance, eu faria diferente. Não iria brincar naquele dia, poderia até ajudá-la com o almoço. Eu diria que a amava muito e o quanto é importante na minha vida. Diria que as mãos dela eram as melhores do mundo e que queria ela do meu lado para sempre. Quem sabe assim ela ficaria tão feliz a ponto de evitar o ataque cardíaco? Mas não funcionou. Depois daquele dia, eu nunca mais consegui voar.

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